A Aldeia Numaboa ancestral ainda está disponível para visitação. É a versão mais antiga da Aldeia que eu não quis simplesmente descartar depois de mais de 10 milhões de pageviews. Como diz a Sirley, nossa cozinheira e filósofa de plantão: "Misericórdia, ai que dó!"

Se você tiver curiosidade, o endereço é numaboa.net.br.

Leia mais...

Biblioteca da Aldeia

A Língua Nativa

Qua

23

Jan

2008


11:31

(84 votos, média 3.23 de 5) 


A LÍNGUA NATIVA

Cláudio Leal Domingos

A língua portuguesa no Brasil está profundamente mesclada com a língua índigena, sobretudo com a tupiguarani. Podemos exemplificar com o texto a seguir, no qual as palavras indígena estão em itálico:

"A carioca Iara Pitangui, de Ipanema, foi com sua amiga Jandira Araripe, da Tijuca, ao teatro Ipiranga, assistir a peça infantil Saci-Pererê e o Sapo Cururu". O prédio era uma tapera cheia de cupins. Iara cutucou Jandira e, tiriricas da vida, saíram atucanadas e foram para Araruama, onde elas tinham outra amiga, Araci, uma pernambucana que conheceram em Niterói. Araci disse que gostaria de convidá-las para o almoço, mas, muito jururu, começou a chorar as pitangas e alegou que estava na pindaíba. Depois de muito nenhenhem, deixaram de picuínhas e resolveram fazer um mutirão. O almoço foi pirão ao molho de tambaqui, paçoca e moqueca com aipim."

A influência é tão significtiva que muitas palavras, de tal modo integradas, não traem a menor suspeita sobre sua origem nativa. São comuns expressões como "um cipoal de problemas" ou "uma pitada de ironia". O termo "cipoal" é um derivado óbvio de cipó. Já "pitada" merece uma explicação. Os nativos chamam o fumo (tabaco) de "pitan", ou "petan", de onde nasceu a palavra pitar, em "pitar um cigarro". Da sua transformação em rapé, para aspirar, nasceu "uma pitada de rapé", que daí foi para a cozinha, em "uma pitada de sal", por exemplo.

Esses exemplos não foram buscados no fundo do baú, para os propósitos deste texto, como isso fosse um trabalho árduo. Basta consultar o nosso dicionário, principalmente na letra jota. Está repleto de termos indígenas. Claro que a influência está sobremodo nas denominações das coisas da natureza, animais, vegetais, etc., mas sua presença parece-nos mais significativa na toponímia. Podemos ver isso nos nomes dos Estados: Ceará, Pernambuco, Paraná, Piauí, Goiás, Amapá, Pará, Roraima, Tocantins, Acre, Paraíba, Sergipe. O nome Maranhão também é considerado indígena por alguns estudiosos, mas temos dúvidas. Alguns Estados não tem nomes indígenas, como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, mas seus nativos têm: carioca, caipira, capixaba.

Os nomes indígenas cobrem o mapa do Brasil, em nomes de rios, de serras, de montanhas, de lagoas, de vilas, de estradas, de ruas, de praias, como em Curitiba, Goiânia, Maceió, Macapá, Cuiabá, Niterói, etc., etc.. No Guia Telefônico encontraremos muitos nomes indígenas de pessoas, Jacira, Jurema, Iara, Ubirajara, etc., etc, ou sobrenomes, até famosos, como Pitangui, Jucá, etc.

Mas, se ainda assim, a linguagem não puder ser considerada, encontraremos a influência e participação indígena nos fatos da nossa história (a batalha de Guararapes, a fundação de São Paulo, etc), no perfil psicológico do brasil, na maneira de ser, (honestidade, o conformismo, a hospitalidade, etc.), nos tipos característicos (o caipira, o gaúcho, o caboclo), na música (o cateretê, etc.), na dança (a catira, etc.), em eventos culturais (o boi-bumbá, etc.), e na nossa cultura em geral. Enfim, acho melhor reconhecer, como bons americanos do sul, que somos um país indígena, cultural e geneticamente. Estudos científicos demonstram que grande parte dos brasileiros têm uma boa percentagem de sangue índigena. A mesclagem foi mais profunda do que se conhece. Mesmo com os imigrantes europeus mais recentes, como os alemães, chegados no sul a partir de 1824, e os italianos, poloneses e outras etnias a partir de 1875, exatamente porque eles receberam terras agrestes, foram colocados em regiões de florestas, para cultivá-las e tiveram, necessariamente, que conviver com o caboclo, com o caipira, com o remanescente indígena. Portanto, em vez de tentarmos demonstrar isso, melhor será nos atermos ao significado dessa influência.

Pretendemos trazer aqui, nos termos da nossa modéstia, um pouco do contexto etimológico de algumas palavras indígenas. Elas ampliaram consideravelmente o nosso léxico e registram um substrato cultural que não podemos ignorar. Mas, antes disso, torna-se impositivo conhecer o povo que as nos legou. Eles são as raízes de grande parte da nossa cultura, do nosso modo de ser, de um importante ramo da nossa história.

Informações adicionais